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27 maio 2010

O inferno de Darwin



O solo repleto de lava negra estava coberto de lagartos e tartarugas mons­truosas. Caranguejos escarlates corriam por todos os lados. O calor era tão forte que atravessava as botas e queimava os pés. Cercado por uma vegetação composta de cactos de 3 metros de altura, girassóis do tamanho de árvores e arbustos desfolhados, Darwin escrevia em seu diário: “A superfície seca e crestada, aquecida pelo sol do meio-dia, deixava o ar abafado, quente como em um forno. Tínhamos a impressão de que até os arbustos cheiravam mal”.

“Esse lugar é o inferno!”, dizia Robert FitzRoy, capitão do navio de pesquisas Beagle, que levara o jovem Charles Dar­win às Galápagos, um arquipélago no oceano Pacífico. FitzRoy queria um cavalheiro a bordo para lhe fazer companhia. E o abonado Darwin, de 22 anos, acabou escolhido, principalmente porque estava estudando para virar padre – mas também porque FitzRoy gostou do formato do nariz dele, que “sinalizava profundidade de caráter”. O capitão tinha dois objetivos para a viagem. Um a serviço do Império Britânico: mapear a costa da Patagônia. Outro, pessoal: encontrar provas científicas de que o mundo tinha sido criado de acordo com o que está na Bíblia. Mal sabia ele que o assassino de Deus estava a bordo.

A paisagem infernal das Galápagos, onde aportaram em 15 de setembro de 1835, após quase 4 anos de expedição, era um paraíso para Darwin. Ele pintou e bordou com tudo o que pôde naquele lugar perdido no tempo. Pegou carona nas tartarugas (“Era difícil manter o equilíbrio.”), tirou onda com as iguanas (“Ela ficou olhando para mim como se quisesse dizer: Por que você puxou a minha cauda?”) e encheu o bucho de iguarias exóticas (“Tatu é um prato excelente quando assado em sua carapaça.”). De quebra tirou de lá a inspiração para a idéia mais importante e assustadora da história da ciência.


O gatilho para esse pensamento veio quando ele percebeu diferenças instigantes entre os bicos de uma espécie de passarinho das Galápagos, os tentilhões. Em uma ilha eles tinham bicos grossos, bons para quebrar nozes. Em outra, longos e finos, ideais para arranjar comida em frestas. Darwin imaginou que aquelas aves deviam ter se adaptado de algum jeito. Por mágica? Não: por um processo de seleção que levou gerações. Em ambas as ilhas teriam nascido pássaros de bico fino e de bico grosso. Naquela onde havia nozes para comer, só estes últimos teriam sobrevivido. A partir desse raciocínio simples, nascia um monstro.


De volta à Inglaterra, aos 27 anos, Dar­win estudou a fundo as 5 436 carcaças, peles e ossos que colecionara na viagem do Beagle e concluiu que TODAS as espécies do mundo tinham passado por processos de adaptação equivalentes ao dos tentilhões. Bem devagarzinho.
Imagine as asas dos pássaros, por exemplo. Pela lógica de Darwin, elas não nasceram prontas. Em algum ninho dos ancestrais dos pássaros, que não voavam, surgiu um mutante, um “patinho feio”, com uma pequena membrana que lhe permitia planar de vez em quando. Essa característica deu-lhe alguma vantagem na luta pela sobrevivência. E o bicho deixou mais descendentes que seus irmãos. A prole dele, que carregava a mesma mutação, também fez mais filhos, e por aí foi. Com o tempo, novos mutantes, novos patinhos feios, foram nascendo com asas cada vez melhores. E no fim das contas um novo tipo de animal se consolidava no  planeta: os pássaros. Tudo às custas da extinção de outros bichos parecidos, só que menos adaptados à dureza da  vida. “A produção de animais superiores é conseqüência da natureza, da fome e da morte”, escreveu Darwin.  
Nós mesmos, imaginou o inglês, não podíamos estar de fora. A diferença é que a evolução para a forma que temos hoje foi a partir de “macacos” (na verdade, animais parecidos com macacos) que foram desenvolvendo cérebros cada vez maiores, do mesmo jeito que os pássaros fizeram com as asas. E esses “macacos” vieram de outros bichos... Hoje sabemos de quem: de peixes mutantes que nasceram com a capacidade de respirar fora da água – nossos pulmões, por exemplo, vieram direto desses animais, que viviam em pântanos lamacentos.

Aí não tinha mais jeito. Darwin já sabia que não éramos “a imagem e semelhança de Deus”. Agora responda: o que você faria ao perceber que na sua cabeça existe uma idéia que pode abalar as crenças mais profundas de quase toda a humanidade? Darwin sentiu o peso, e ficou aterrorizado. Demorou mais de 30 anos para publicar a idéia em seu livro A  Origem das Espécies, de 1859. E ainda assim o livro só saiu quando ele leu um artigo de Alfred Russel Wallace, um biólogo inglês. O texto continha uma teoria bem similar à da seleção natural, porém menos abrangente. Com medo de ser passado para trás, Darwin autorizou seu amigo Thomas Hux­ley a expor a Teoria da Evolução ao mundo científico, pois ele mesmo não teve coragem. “Foi como confessar um assassinato”, escreveu.

Por isso mesmo a teoria demorou para virar unanimidade entre os acadêmicos. Ela só foi aceita para valer quando outros cientistas, já no século 20, a refinaram com base na genética – a forma como os pais transmitem suas características aos filhos. Esse renascimento deu um gás novo à Teoria da Evolução . E na década de 1930 começava uma nova revolução: o neodarwinismo. Com ele, uma idéia aterradora começou a sair do forno: a de que você não passa de um robô. Era a Teoria do Gene Egoísta, que ganhou corpo nos anos 70. Para entendermos melhor essa História, vamos fazer outra viagem no tempo. Desta vez para uma época bem anterior à do Beagle. Mas com um destino igualmente infernal.  

[Cenas do próximo episódio: A  Origem das Espécies 2.0. Não percam!]

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